Enquanto eu crescia, meus pais não tinham muito tempo pra mim. Na verdade, ninguém tinha. Eu era a amiga que sobrou, a prima que nunca é convidada, a aluna quieta, que não dava trabalho. Dentro de casa, a companhia mais constante era o vazio.
Quando olho pra trás, é difícil lembrar onde minha mãe estava. Talvez cuidando do meu irmão, talvez estudando, talvez saindo de casa - eu não consigo me lembrar de nada além da ausência. Meu pai trabalhava sem parar; eu o via aos domingos, e mesmo assim, ele nunca parecia ter tempo para mim. A ausência dos meus pais tinha uma presença imensa na minha infância.
A TV, por outro lado, nunca me deixou sozinha. Eu passava o dia inteiro parada, assistindo qualquer coisa que passasse na TV aberta - coisas que uma criança talvez não devesse ver, mas que hoje fazem parte de quem eu sou. Crimes, fantasmas, casos de traição e novelas mexicanas. De algum jeito, a TV me ensinou a ser gente, enquanto eu estava mais acostumada a ser só uma sombra.
Nunca fui de sair no sol, apesar de amá-lo. Não tinha motivo; o que eu faria sozinha no quintal? O brilho da TV substituía o calor do sol, as interações sociais, a companhia que eu tanto queria, quando os apresentadores olhavam para a câmera, eu me sentia vista. Para substituir sua presença, meu pai me dava bonecas e mais bonecas, eu fingia brincar com elas para que ele não se arrependesse de ter gastado com algo que ele achava que me faria feliz. Mas eu nunca soube como brincar de boneca do jeito certo - ninguém me ensinou.
A TV me ensinou, ao contrário, como as pessoas se comportavam nas novelas mexicanas, então todas as minhas bonecas eram a Maria do Bairro, a Rubi, a Esmeralda, a Teresa. Será que lá fora as pessoas eram assim, intensas e vibrantes? Eu queria ser como elas - bonitas, falantes, vistas, protagonistas de alguma coisa. Mas tudo o que eu tinha eram distrações o suficiente para não encarar o quão vazia era a minha casa, apesar de iluminada pela luz da TV.
Talvez eu tenha sido criada pela TV e pela minha própria imaginação.
Passei a vida toda tentando encontrar meu caminho de volta pra casa.