Lembro de estar no carro dos meus pais, eu devia ter uns 5 ou 6 anos. Por algum motivo, lembro da minha infância com uma nitidez que às vezes parece um peso. Tem ruídos demais ao meu redor, mas na época eu não entendia porquê esses sons tanto me perturbavam. Olho para o céu e vejo a fumaça escura de uma fábrica, tingindo de negro o céu acinzentado do bairro da minha avó.
Minha respiração acelera, tomada por uma estranha sensação de medo. Aquela fumaça vai envenenar tudo, o mundo vai acabar porque estamos acabando com ele. Será que o papai do céu vai nos salvar? Mesmo que destruamos o planeta que ele criou para nós?
Sinto uma inquietação dentro de mim. Com minha pouca experiência, já sei que mereço pouca compaixão, meus erros raramente são perdoados. Talvez o papai do céu também seja assim, já que nos fez à sua própria imagem.
Meu coração bate mais forte. O mundo vai acabar, e Deus - papai do céu parece agora um termo carinhoso demais para algo que nunca virá me salvar - não vai nos perdoar. Ele vai nos abandonar no mundo que destruímos com nossas próprias mãos. Sinto medo, angústia. Minha mente não consegue parar de pensar nisso, ali no banco de trás do carro dos meus pais.
Começo a chorar. Nós não merecemos perdão. Eu, ao menos, nunca o mereci, então talvez ninguém seja digno dele.
Foi assim que tudo começou. Minha primeira crise de ansiedade, minha primeira crise existencial, o primeiro pensamento de que talvez eu nunca tenha sido digna de misericórdia. Minha primeira evidência de que Deus e aquela fumaça talvez fossem, de algum modo, a mesma coisa.
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